Pela primeira vez, o festival
promoveu uma aula-espetáculo. A tarefa coube a Elisa Lucinda, atriz, poeta,
cantora, escritora, jornalista, professora e compositora capixaba, que veio
especialmente a Salvador a convite do CRIA para deleite do público.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho |
Isso,
na mesma noite em que os jovens e adolescentes do grupo Iyá de Erê
subiram ao palco com a montagem “Quem me ensinou a nadar”.
Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar |
Arany Santana, Coordenadora do CCPI, participa de bate-papo com elenco do Iyá de Erê |
Pesquisadora e historiadora Ana Maria Gonçalves com elenco do Iyá de Erê em bate-papo |
Logo depois do bate-papo, que
sucedeu a apresentação do espetáculo, os mestres de cerimônia, Fernanda Silva e
Evaldo Maurício, arte-educadores do CRIA, declamaram Safena, poema de Elisa,
para anunciar o início do tão esperado encontro.
Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores e mestres de cerimônia
"Dá licença, dá licença, meu
Senhô / Dá licença, dá licença, pra yôyô / Eu sou amante da gostosa Bahia,
porém / Pra saber seu segredo / Serei Baiano também”. Foi assim, cantando os
versos da canção de João Gilberto que Elisa adentrou o palco do Teatro Sesc
Senac Pelourinho.
Elisa Lucinda em aula-show no Sesc Pelourinho |
E entre uma declamação e outra, de
poemas autorais e de outros escritores, a aula-show teve seus momentos de ‘prosa’
com o público, com Elisa bem à vontade para declarar seu apreço pelos baianos e
também pelo teatro do CRIA, que acabara de conhecer.
“A Bahia é a resistência da
cultura brasileira. O trabalho do CRIA é o único trabalho revolucionário do
país. Eu não acredito em outra forma de revolucionar o país. Através da arte
você pode transformar tudo e o CRIA faz isso”, disse uma Elisa visivelmente
surpresa com o que viu.
“Fiquei chocada por tudo, pela
qualidade da interpretação, elenco bom, teatro visceral. Todo mundo tem poder,
mas quem tem consciência da ancestralidade, tem mais poder. Eu nem falo disso,
falo de você ter acesso a sua ancestralidade, compreendendo o lugar de onde
você veio e para onde você vai”, completou Elisa.
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“Onde tem
orfandade, seja do pai ou da mãe, onde não foi dada estrutura para fazer
identidade da sua narrativa, a língua mãe faz esse papel.”
“O grande lance da
poesia é que ela serve para os outros”, disse Elisa, ao se lembrar de quando a
mãe morreu em um acidente de carro. E recitou ‘O breu’, de sua própria autoria.
“Esse poema me reconstruiu”.
Para uma plateia diversa, que
reuniu artistas, estudantes, professores, enfim, admiradores de vários cantos
de Salvador, a artista falou da importância da arte-educação no processo de
aprendizado e da importância da elevação da auto-estima para o trabalho do
professor nas escolas.
Para ela, falta esse momento na
sala de aula, nas escolas particulares, na educação brasileira em geral, e lembrou-se
do ataque contra a escola de Realengo, no Rio de Janeiro, quando chamaram
vários artistas, inclusive ela, no dia da retomada das atividades após a tragédia.
“Os professores são para mim a mola mestra desse país. O professor cuida de
todo mundo, mas ninguém cuida do professor”.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho |
Um dos momentos marcantes foi
quando declamou “Uma lembrancinha do tempo”, poema que criou em resposta à
pergunta feita repetidas vezes quando, nas entrevistas, lhe pedem para explicar
como a poesia surgiu na vida dela. “A poesia formou meu pensamento. Minha mãe
me levou aos 11 anos para estudar declamação. A poesia deveria estar na sala de
aula, que é interdisciplinar, que pode falar da matemática, da estatística, de
tudo. Falava poesia dos outros até os 17. Eu era uma menina que achava que era
a menina do poema. Depois, mais tarde, eu percebi que era o pássaro”, e
declamou ‘Pássaro Cativo,’ de Olavo Billac.
A mulher, negra, artista, de
grandes olhos verdes, voz forte e rouca, admite que o Brasil é um país muito
racista e se diz muito preocupada. “Tem gente que chama o cabelo crespo de
cabelo ruim. Como isso pode se tornar oficial, o cabelo errado? Parece que essa
é a lógica”. E de forma irreverente, começou a tirar objetos de dentro da farta
cabeleira ao estilo Black Power: tirou batom, caneta e até uma nota de
cinquenta reais de dentro do cabelo!
A aula-espetáculo ultrapassou o
palco e um expectador, o agente de saúde Edi Wilson, levantou da plateia e
disse um poema sobre cabelo dedicando-o à artista. Apaixonado pela arte, Edi
falou da sua admiração pela poeta. “Ela é uma referência para as mulheres
negras e a comunidade. É muito gratificante estar aqui hoje”, disse ele. E
elogiou o trabalho do CRIA para o desenvolvimento das artes.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho |
Para a expectadora Gina Carmem
Isaías de Souza, a aula foi uma experiência de vida. “Elisa fala coisas tão
acertadas e tão pontuais, como o poder da educação e da palavra que transforma
e é isso que a gente tem que aprender”, afirmou.
Elisa usou um trecho de mais um
de seus poemas para se despedir do público.
“A vida não tem ensaio, mas tem
novas chances. Viva a burilação eterna, a possibilidade”. E encerrou sua
participação com a canção ‘Ilê de Luz’, letra de Caetano Veloso composta em
homenagem ao bloco afro, Ilê Aiyê.
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