quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Emoção toma conta de Roda de Conversa com Arte-educadores

 
A tarde do dia 20 de setembro ficará para sempre na memória dos jovens e adolescentes do CRIA que estiveram presentes à Roda de Conversa: Arte-Educação e Projeto de Vida!
O encontro foi realizado na Casa XIV do Teatro XVIII, no Pelourinho, no último dia do III Festival de ARte-Educação A Cidade CRIA Cenários de Cidadania, e contou com mediação do professor da Faculdade de Educação da Ufba, Roberto Rabêllo!
Os ex-integrantes dos grupos artísticos do CRIA e hoje arte-educadores Sergio Bahialista, Nilton Lopes, Antonia Elita Santos, Ronald Alagan e Jedjane Mirtes contaram um pouco da sua história com a instituição e como essa experiência foi determinante para suas vidas!

Da esq. para dir: Nilton, Antonia, Sergio, Ronald, Jedjane e o mediador, Roberto Rabêllo
Em um bate-papo descontraído, os convidados descreveram um pouco dessa relação de amor com o CRIA e a contribuição da arte no desenvolvimento de suas vidas, através de seus projetos!


Para o arte-educador do CRIA, Romilson Freire, diretor do espetáculo Prá de tempo, do grupo Chame Gente, é importante ver os jovens ouvindo as pessoas e como essa arte impactou na vida delas. “Ver esses meninos novinhos ouvindo aquele debate e prestando atenção, isso tem um significado para a vivência deles. O jovem daquele momento não é o jovem do hoje. Essa é uma questão que aos poucos tem chegado para gente no CRIA. É uma questão para pensarmos em nos adaptar a esse novo formato, porque a cidade vai mudando, então é importante ver esses meninos parando pra ouvir e eu também estar ali junto com eles na condição de arte-educador”.


Ele completa filosofando. “O que aconteceu naquela tarde, ou você vive, ou não tem outra maneira de participar daquilo”.

Conheça um pouco da história de quem é cria do CRIA e hoje está irradiando essa experiência!
 
Antonia Elita

"Sou Antonia Elita Santos moradora do bairro de Sussuarana. Há 33 anos, comecei minha luta na comunidade quando vim morar aqui, onde não tinha água, energia e transporte. Comecei a participar da associação de moradores logo depois fundamos a Associação de Mulheres de Sussuarana para reivindicarmos melhorias para o bairro. Alguns anos depois, fundamos o centro de pastoral afro Heitor Frisoti, no qual trabalhei como secretária.
Nesse período, foi quando conheci o CRIA através de uma amiga, Maria Joscelia. As filhas dela já participavam mais e ela achava que o CRIA tinha a minha cara e acertou. Foi quando minha filha Danubia se inscreveu e passou na seleção e começou a participar da Tribo do Teatro. Algum tempo depois, teve seleção para um grupo novo do CRIA, Abe be omi. Fiz a seleção, passei e aí começou uma transformação na minha vida pessoal e social.
Foi um aprendizado muito grande, vivi momentos maravilhosos onde nunca pensei que pudesse atuar como atriz dinamizadora com toda essa formação. Mais uma vez com o incentivo do CRIA me inscrevi para ser conselheira tutelar onde fiquei por um período de oito anos que sempre foi e é uma das bandeiras do CRIA atuar em defesa das crianças e adolescentes.
Hoje, trabalho na Fundac como socioeducadora com adolescentes em conflito com a lei. No momento, estou fazendo faculdade de serviço social. Assim, o CRIA para mim é uma referência de vida. Uma vez CRIA, sempre CRIA. É uma instituição que muda o seu jeito de ser, de agir. Eu sempre falo: uma das minhas escolas de vida é o cria. Se for falar o que já fizemos aqui em nosso bairro e fora também junto com o CRIA... me ensinou muito a ser essa mulher forte e batalhadora. Por aí, passou minha filha, muitos jovens e adolescentes daqui da comunidade, minha neta, que hoje são sujeitos de transformação desta sociedade."


Jedjane Mirtes



Atual rainha do bloco afro Malê de Balê e segundo lugar do concurso Deusa do Ébano 2014 do Ilê Aiyê representando o Pelourinho, a arte-educadora, dançarina, coreógrafa e dançarina Jedjane Mirtes entrou no CRIA aos 17. Fez parte, como jovem atriz, dos grupos Tribo do Teatro, CRIA Poesia - este também como diretora -, além de espetáculos coletivos. Foi monitora de dança, depois coreógrafa dos grupos. Pelo CRIA, conheceu outros lugares fora do país, a exemplo da Alemanha e Portugal. Formou-se em técnica em dança pela Escola de Dança da Funceb, em 2001, e em Educação Física, em 2008. Mais tarde, cursou pós-graduação em Arte-Educação nas Faculdades Olga Mettig.

Até o início de 2014, atuava como educadora do projeto Corra pra o Abraço, parceria do CRIA com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, através do programa Pacto pela Vida. E além do seu reinado no Malê, Jedjane, hoje com 33 anos, atua como arte-educadora nas comunidades de Pernambués e Saramandaia, através do Instituto JCPM de Compromisso Social. E não para por aí. Ela também assina coreografias para a ONG Bumbá - Escola de Formação Artística e a Cia de Dança Jorge Lima e Chagas.


Niltom Lopes
  
Coordenador do núcleo de incidência da CIPÓ - Comunicação Interativa e sócio-fundador do coletivo de assessoria Crioula - Comunicação, Cultura e Mobilização Social.   
Jornalista, formado pela Facom, pós- graduado em artes visuais no Senac e Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela UFMG. 
Atualmente, é mestrando no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade. 
No CRIA, fez parte do grupo Com Arte Sem AIDS, de 1999 a 2001. Depois, integrou o grupo Mais de Mil, em 2002 e 2003, e atuou como monitor, assistente e orientador do núcleo de comunicação, de 2003 a 2007.



Ronald Alagan



Entrou no CRIA aos catorze anos e durante cinco, participou dos grupos Mais de Mil, com as montagens Escola falta mais o que? e Quanto custa?, além do grupo Pais e Filhos, com o espetáculo Diálogos. Nesse tempo, desenvolveu na sua comunidade, em Paripe, o primeiro espetáculo, Quem somos nós? que falava da violência e das rixas que existiam na própria comunidade.
Com o grupo Obás de Yoyó, construiu o espetáculo Respeitem os mais velhos, que abordava o direito de brincar, a divindade e o sagrado, não como orixá, mas como pessoa. Realizou algumas feiras comunitárias, como Arte para a comunidade, que reunia dança, música, capoeira, hip hop, tudo feito dentro da própria comunidade. E para dar conta de tanta coisa, surgiu a necessidade de criar um evento, então, criou o Primeiro Encontro Adupé Saudações Nossos Mestres, que teve uma ‘pegada de agradecimento’. “Eu não comecei a arte na minha comunidade. Eu fui impulsionado. O que minha avó fez ensinou ao meu pai, que ensinou a minha irmã, que ensinou a mim. As pessoas da minha comunidade são referência que a gente nomeia de Mestres”.
Para ele, quem entra no CRIA nunca sai, porque a ong utiliza a arte como transformação do cidadão. “A metodologia trabalha o ser humano e trabalha a educação que temos, a que queremos e que precisamos. Eu aprendi a ser educador popular, a ter um dever de reproduzir isso para nossas comunidades. Eu queria ser ator, mas eu sou ator educando-me e educando outro”. E cita experiências que o ajudaram em sua formação: conheceu o barro nos encontros do Ser-tão Brasil e aprendeu a reverenciar a delicadeza disso, foi a Londres onde participou de worskshop no Southbank Center, passou por Madri e Portugal. “Sem o CRIA, eu sozinho seria só um corpo”, afirma. E depois de tudo isso, ainda diz que precisa ingressar na universidade para cursar o bacharelado em direção.
Ronald diz estar se reconstruindo, depois da perda recente da mãe. “Porque a gente precisa de pernas pra andar. Mas, estou tranquilo, por ser cria do CRIA e de ter parido outras crias também”.
  


Sergio Bahialista

"Hoje, sou um homem especial nessa vida graças a esses 11 anos muito bem vividos no CRIA. Feliz por ver esse belo lugar completar 20 anos de existência, de semeação de muitos sonhos e sementes de uma nova humanidade."


Sérgio é Mestre em Educação e Contemporaneidade pelo Programa de Pós Graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduc - da UNEB. Possui especialização em Psicopedagogia Escolar e Clínica  e graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia. Atualmente é Professor e Coordenador Pedagógico da Faculdade de Tecnologia SENAI CIMATEC - Salvador/BA; pesquisador do PRODESE - Programa Descolonização e Educação CNPQ/UNEB; músico e cordelista. É um dos autores do livro "Descolonização e Educação: diálogos e proposições metodológicas";, organizado pela Prof. Drª Narcimária Correia do Patrocínio Luz.
"Em 1996, o CRIA foi no Colégio Estadual Governador Roberto Santos com o espetáculo Escola falta mais o quê? . Belíssimo! Após o espetáculo, Carla Lopes divulgou a seleção para jovem ator multiplicador para a Tribo do Teatro, que encenava o espetáculo Quem Descobriu o Amor?. Fiz o processo de identificação e fui aprovado.
A partir daí, um divisor de águas na minha vida nunca mais parou de passar. Fiz parte dos grupos de teatro, poesia e equipe profissional do CRIA de 1996 a 2007. Isso mesmo! Foram 11 anos da minha vida CRIAndo e plantando muita arte-educação pela vida, aprendendo a ser mais gente e gerando uma nova Tribo Humana. Fiz parte da Tribo do Teatro, Com Arte Sem Aids, CRIA Poesia, Espetáculo Liberdade da Bahia, além integrar o Núcleo de Produção Cultural e o Núcleo das Artes do CRIA durante esses anos, desde monitor até Orientador Artistico-Pedagógico. Fiz parte do MIAC e da Rede Ser-tão Brasil também. Lindos coletivos e incríveis forças de mobilização social através da arte. E com beleza toda em torno de mim, eu ande. É findo em beleza!"
 

Poesia reina na terceira noite do festival




Pela primeira vez, o festival promoveu uma aula-espetáculo. A tarefa coube a Elisa Lucinda, atriz, poeta, cantora, escritora, jornalista, professora e compositora capixaba, que veio especialmente a Salvador a convite do CRIA para deleite do público. 
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 
Isso, na mesma noite em que os jovens e adolescentes do grupo Iyá de Erê subiram ao palco com a montagem “Quem me ensinou a nadar”.

Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar
Arany Santana, Coordenadora do CCPI, participa de bate-papo com elenco do Iyá de Erê 
Pesquisadora e historiadora Ana Maria Gonçalves com elenco do Iyá de Erê em bate-papo
Logo depois do bate-papo, que sucedeu a apresentação do espetáculo, os mestres de cerimônia, Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores do CRIA, declamaram Safena, poema de Elisa, para anunciar o início do tão esperado encontro.

Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores e mestres de cerimônia 


"Dá licença, dá licença, meu Senhô / Dá licença, dá licença, pra yôyô / Eu sou amante da gostosa Bahia, porém / Pra saber seu segredo / Serei Baiano também”. Foi assim, cantando os versos da canção de João Gilberto que Elisa adentrou o palco do Teatro Sesc Senac Pelourinho.

Elisa Lucinda em aula-show no Sesc Pelourinho 

E entre uma declamação e outra, de poemas autorais e de outros escritores, a aula-show teve seus momentos de ‘prosa’ com o público, com Elisa bem à vontade para declarar seu apreço pelos baianos e também pelo teatro do CRIA, que acabara de conhecer.

“A Bahia é a resistência da cultura brasileira. O trabalho do CRIA é o único trabalho revolucionário do país. Eu não acredito em outra forma de revolucionar o país. Através da arte você pode transformar tudo e o CRIA faz isso”, disse uma Elisa visivelmente surpresa com o que viu.

“Fiquei chocada por tudo, pela qualidade da interpretação, elenco bom, teatro visceral. Todo mundo tem poder, mas quem tem consciência da ancestralidade, tem mais poder. Eu nem falo disso, falo de você ter acesso a sua ancestralidade, compreendendo o lugar de onde você veio e para onde você vai”, completou Elisa.

Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar
“Onde tem orfandade, seja do pai ou da mãe, onde não foi dada estrutura para fazer identidade da sua narrativa, a língua mãe faz esse papel.”

“O grande lance da poesia é que ela serve para os outros”, disse Elisa, ao se lembrar de quando a mãe morreu em um acidente de carro. E recitou ‘O breu’, de sua própria autoria. “Esse poema me reconstruiu”.

Para uma plateia diversa, que reuniu artistas, estudantes, professores, enfim, admiradores de vários cantos de Salvador, a artista falou da importância da arte-educação no processo de aprendizado e da importância da elevação da auto-estima para o trabalho do professor nas escolas.

Para ela, falta esse momento na sala de aula, nas escolas particulares, na educação brasileira em geral, e lembrou-se do ataque contra a escola de Realengo, no Rio de Janeiro, quando chamaram vários artistas, inclusive ela, no dia da retomada das atividades após a tragédia. “Os professores são para mim a mola mestra desse país. O professor cuida de todo mundo, mas ninguém cuida do professor”.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 

Um dos momentos marcantes foi quando declamou “Uma lembrancinha do tempo”, poema que criou em resposta à pergunta feita repetidas vezes quando, nas entrevistas, lhe pedem para explicar como a poesia surgiu na vida dela. “A poesia formou meu pensamento. Minha mãe me levou aos 11 anos para estudar declamação. A poesia deveria estar na sala de aula, que é interdisciplinar, que pode falar da matemática, da estatística, de tudo. Falava poesia dos outros até os 17. Eu era uma menina que achava que era a menina do poema. Depois, mais tarde, eu percebi que era o pássaro”, e declamou ‘Pássaro Cativo,’ de Olavo Billac.

A mulher, negra, artista, de grandes olhos verdes, voz forte e rouca, admite que o Brasil é um país muito racista e se diz muito preocupada. “Tem gente que chama o cabelo crespo de cabelo ruim. Como isso pode se tornar oficial, o cabelo errado? Parece que essa é a lógica”. E de forma irreverente, começou a tirar objetos de dentro da farta cabeleira ao estilo Black Power: tirou batom, caneta e até uma nota de cinquenta reais de dentro do cabelo!

A aula-espetáculo ultrapassou o palco e um expectador, o agente de saúde Edi Wilson, levantou da plateia e disse um poema sobre cabelo dedicando-o à artista. Apaixonado pela arte, Edi falou da sua admiração pela poeta. “Ela é uma referência para as mulheres negras e a comunidade. É muito gratificante estar aqui hoje”, disse ele. E elogiou o trabalho do CRIA para o desenvolvimento das artes.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 
Para a expectadora Gina Carmem Isaías de Souza, a aula foi uma experiência de vida. “Elisa fala coisas tão acertadas e tão pontuais, como o poder da educação e da palavra que transforma e é isso que a gente tem que aprender”, afirmou.

Elisa usou um trecho de mais um de seus poemas para se despedir do público. 

“A vida não tem ensaio, mas tem novas chances. Viva a burilação eterna, a possibilidade”. E encerrou sua participação com a canção ‘Ilê de Luz’, letra de Caetano Veloso composta em homenagem ao bloco afro, Ilê Aiyê.

Veja como foi a festa de abertura do III Festival de Arte-Educação A Cidade CRIA Cenários de Cidadania!!!

Salvador, 26 de setembro de 2014



O auditório Manuel Querino, do Centro de Cultura da Câmara de Vereadores de Salvador, ficou lotado para a festa de abertura do III Festival de Arte-Educação A Cidade CRIA Cenários de Cidadania, realizada no dia 17 de setembro de 2014. O evento reuniu os jovens dos grupos de teatro e suas famílias, amigos, parceiros e gente que já passou pelo CRIA, mas que mantém laços com a instituição.
Convidados lotam auditório do Centro de Cultura CMS


Alegria toma conta dos jovens na noite de abertura
E nada melhor que começar uma festa de aniversário do que recordando o que de bom ficou e que ainda produz frutos. Ao longo dos seus 20 anos de existência, o CRIA reúne muitas histórias e os marcos destas realizações foram relembrados nas falas emocionadas de Beth Vieira e Maria Eleonora Rabello, da Coordenação Geral.
“Graças à participação coletiva e a muita solidariedade a gente realiza este terceiro festival”, declarou Beth, ao se referir a todas as pessoas que acreditam no CRIA, que investiram, apoiaram e colaboraram, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, agências ou instituições públicas.
Um dos marcos citados foi o primeiro projeto ‘Educação um Exercício de Cidadania’, em 1994, que formou professores da 5ª a 8ª série da rede municipal de educação e profissionais de saúde da rede pública, com duração de cinco anos. “Com esse projeto, a gente conseguiu levar para dentro da escola pública as questões da vida cidadã, dos direitos sexuais e reprodutivos por meio da metodologia que o CRIA vem pesquisando e desenvolvendo ao longo desses 20 anos”, lembrou Maria Eleonora Rabêllo.
Outro marco destacado por Beth Vieira foi o Movimento de Intercâmbio Artístico Cultural pela Cidadania (MIAC), criando em 1997, a partir de um caso emblemático de violação de direitos. O CRIA convocou instituições parceiras da cidade para formar o MIAC que por sua vez reuniu 200 instituições públicas, governamentais e não governamentais, em torno da luta pelos direitos humanos com foco na proteção integral de crianças e adolescentes.
Maria Eleonora Rabêllo e Beth Vieira apresentam marcos
Ela lembrou ainda da realização, em 1998, do I Festival do MIAC com o tema ‘Adolescente e a Arte pelos Direitos Humanos’, resultado das ações socioculturais e de mobilização de recursos em redes. A partir daí, inicia-se o processo de formação e produção cultural para os jovens dessas diversas instituições que passaram a assumir o papel de jovens produtores culturais das suas comunidades.
O CRIA sempre formou jovens na perspectiva de disseminar suas práticas e seus conhecimentos, de acordo com Rabêllo. Ela lembrou ainda que eles eram estimulados a atuar dentro da escola, até que em 2001, a instituição reconheceu que os estudantes estavam atuando mais nas comunidades do que no ambiente escolar.
“Surpreendentemente, a escola se revela integrante da comunidade e os jovens começam a atuar dentro das escolas das suas comunidades”, ressaltou Eleonora. A partir daí, de acordo com a coordenadora, o CRIA volta o foco para essa formação para que os jovens possam desenvolver esses projetos comunitários e assim impactar suas escolas e suas comunidades.
Ruy Pavan destaca avanços e desafios na luta pelos direitos das crianças e adolescentes  
Após a apresentação dos marcos da linha do tempo, foi a vez de um grande parceiro do CRIA tomar a palavra. Para Ruy Pavan, que foi coordenador do Escritório Regional para os Estados de Sergipe e Bahia do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (Unicef) durante muito tempo, o maior prêmio e mais significativo nesses vinte anos é ter feito tudo com dignidade.
“Não é tão difícil uma instituição receber prêmios, ser reconhecida, desenvolver um trabalho superbacana. Isso é possível. Sou testemunha e acompanhei várias discussões e vi que o CRIA sempre manteve seus princípios, sua dignidade e aquilo em que acreditava”, disse por se tratar de uma instituição que necessita de recursos e de apoios para poder sobreviver. “Acho que isso é um grande aprendizado para as outras organizações”, completou.
Ele também traçou um breve panorama do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em vigor há 25 anos no país, e destacou que não foi um processo linear. “Através da luta pelos direitos das crianças, muita gente se engajou na construção da democracia brasileira e na luta pelos direitos humanos no país”.

Pavan destaca parceria com o CRIA e os 25 anos do ECA

“Esses meninos que estão hoje no CRIA são diferentes daqueles que chegaram vinte anos atrás para começar uma coisa que era uma grande novidade, que era o acesso à cultura, à arte”.
(Ruy Pavan)
Pavan aproveitou para fazer uma análise comparativa de como as políticas públicas serviram como catalisadoras dos movimentos sociais e das organizações não governamentais, citando o CRIA como exemplo. Para ele, não há dúvidas de que as políticas públicas evoluíram, com muito mais meninos e meninas na escola, mas que ainda é preciso melhorar a qualidade da educação, bem como a da estrutura do sistema de acesso à cultura e criação de um sistema de acesso à prática esportiva.
“Acho que nossa democracia tem que ser preservada, mesmo com todos os seus erros e com seus acertos, e que o estatuto continue sendo um instrumento de mobilização através das organizações pra que a gente possa estar mantendo isso como patamar civilizatório para nos próximos vinte anos avançarmos e alcançar novas conquistas sobre o que já foi alcançado”, concluiu.

Makota Valdina chama atenção para respeito a ancestralidade e união
  
Outro destaque da abertura foi a participação da educadora, ativista negra religiosa do candomblé, Makota Valdina, pessoa de grande importância na vida do CRIA, convidada para dar as bênçãos ao Festival. Com a franqueza e sabedoria que lhe são peculiares, ela falou de fé, espiritualidade e religiosidade. Para ela, a juventude tem uma grande responsabilidade na questão racial e na questão religiosa diante da conjuntura atual, ainda que o país tenha tido muitos avanços nesses temas. 
Para ela, um fator muito preocupante ultimamente são as situações de discriminação e intolerância religiosa geradas pela falta de conhecimento da própria história. “Eu tenho observado também que tem muitos jovens negros que estão negando sua ancestralidade e sua identidade. Vocês podem ser da religião que vocês quiserem ser. Vocês podem até não ter religião. Mas, não percam a sua identidade. Quando a gente sabe quem a gente é, a gente não tem amarras. Então, tenham cuidado com o tipo de dominação que temos tido hoje em nome de religião. Não se deixem amarrar. Não se deixem escravizar”, disse para uma plateia atenta.
Makota fala de fé, religiosidade e ancestralidade
 “Respeitem a sua negritude, respeitem a sua ancestralidade, respeitem a sua história e eduquem e ensinem aos outros a respeitarem também.”
(Makota Valdina)

Antes de encerrar sua fala, Makota Valdina apresentou um canto religioso que fala de luta e de união e que trouxe um momento de serenidade ao evento. A canção fala de Nkosi (Senhor dos caminhos, das estradas de terra que é um Nkisi nos candomblés de Nação Angola, equivalente, nos Candomblés de Nação Ketu a um orixá ogum e ao Vodum Vu), andando pela floresta “mas serve pra gente que anda no meio do concreto”, explicou. “Serve para cada um de nós que aqui está. Ninguém anda no CRIA sozinho. No CRIA, somos nós, e não eu. E a gente, por isso, precisa saber desse canto, que um precisa estar agarrado e tomando conta do outro pra não cair. Que a gente continue junto e se ajudando, até o dia em que todo mundo realmente seja livre aqui.”
As sábias palavras, desta senhora de 70 anos, deixaram todos comovidos, como a escritora Mabel Veloso. “A fala de Makota me deixou muito impressionada”, disse emocionada. “Porque nos preocupa muito o racismo, a discriminação da religião, e eu acho que ela falou muito bem e chamou a atenção, que a gente precisa dessa união, e o CRIA faz isso. A palavra CRIA já diz: cria para o bem”.
Dimas Galvão, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), uma das instituições apoiadoras do festival, também compartilha da mesma ideia.  “Essa conexão com cultura, essa discussão sobre o racismo, a inclusão da juventude pela arte, tudo isso é muito importante”, declarou. 
Parceiros comparecem em peso ao festival
Para compartilhar desse momento de boas-vindas ao festival, estiveram presentes pessoas que acompanham, fazem ou fizeram parte da história do CRIA em algum momento. Uma delas é a professora e escritora, Mabel Veloso. “Estou seguindo sempre esses passos bonitos que o CRIA vem dando e fico muito feliz de ver o resultado”, declarou.
“Eu vi nascer o CRIA, então é como quando você encontra aquele menininho que você viu nascer e ver que hoje ele é gente grande e bonita que virou”, disse Fernanda Cabrini, presidente do CRIA. Para ela, a mudança para um país melhor só se dá através da educação. “E quando você junta a educação com a arte, além de enriquecer o cérebro e os conhecimentos, enriquece a alma das pessoas, então acho que o caminho é por aí mesmo”, completou.
Fernanda Cabrini, presidente do CRIA (à direita)
Parceira também neste festival, a Oi Kabum! vivencia as atividades do CRIA desde que tudo começou, como bem disse Isabel Gouveia, coordenadora da instituição. “Fui do conselho artístico, fotografei as primeiras peças, os primeiros dias, eu conheço o embrião todo e vivi o CRIA desde o início. Participei de todos os MIAC como educadora, então, ter relembrado toda essa história me emocionou muito e é uma coisa que nos fortalece a nós todos que trabalhamos nessa área tão desafiadora”. Vale lembrar que a Oi Kabum! ofereceu uma oficina de fotografia criativa para o público do festival ministrada por jovens arte-educadores da instituição.
Presidente do IPAC e Secretário de Cultura, Albino Rubim
Para o Secretário de Cultura do Estado, Albino Rubim, que sempre acompanha os festivais, o CRIA é hoje uma instituição de referência nessa conexão entre educação e cultura, não só na Bahia, mas nacional e internacionalmente também. 
“É belíssimo o trabalho e essa capacidade que tem de educar e trazer pessoas que são da periferia para atividades culturais, e incorporando pessoas que passaram pela instituição e que hoje desempenham ações culturais importantes na cidade. Parabéns ao CRIA e ao Festival”. 
A Orquestra de Berimbaus Afinados Mestre Dainho Xequerê fechou o evento com uma bela apresentação que empolgou a todos que estavam presentes. Ao som dos instrumentos metalizados, confeccionados com corda de piano e vara de alumínio, convidados e banda cantaram juntos, em sussurro, o Hino ao Senhor do Bonfim, em perfeita harmonia, numa espécie de rito de abertura para a programação que estava por vir.